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Vamos perder a oportunidade? As mudanças globais que podem beneficiar o Brasil
panorama

*Conteúdo reproduzido – Texto originalmente publicado em Revista Exame

 

Por Matheus Almeida

 

Com mudanças estruturais, países, negócios e investimentos beneficiados mudam. É provável que estejamos saindo de um mundo de forte avanço da globalização – com inflação e juros baixos – para um, mesmo que não necessariamente no lado oposto, menos extremo nessas características.

As últimas décadas foram pautadas por avanços da globalização. O comércio global cresceu e as cadeias de suprimentos se espalharam pelo mundo. A dominância econômica e bélica americana que garantiu a segurança dos negócios mundiais e dos transportes de carga, junto às reformas econômicas e a abertura comercial da China, ajudaram significativamente. Com maior segurança para investir em países com menor custo de produção, o capital se espalhou pelo mundo. Com a produção industrial crescendo em partes do mundo onde o custo, principalmente o da mão de obra, é significativamente menor, a produção global pôde crescer ao mesmo tempo que os preços caíam, ou seja, o mundo avançou com baixas taxas de inflação. Claro, tudo potencializado por avanços tecnológicos que permitiram maior produtividade e maior integração entre as diferentes regiões do mundo. Com esses fatores contribuindo para menores preços de bens, as taxas de juros na maior parte do mundo também caíram.

No entanto, a pandemia e a guerra na Ucrânia fizeram com que diversas companhias e governos percebessem os riscos de uma cadeia de suprimentos distante e potencialmente fora de seu domínio. A ascensão chinesa e a atitude de autocracias como a da Rússia colocaram em xeque a confiabilidade desse sistema e das cadeias de produção. Com isso, estamos vendo sinais incipientes de retrocessos na globalização: em discursos, planejamentos de investimentos, sanções ou regulações por parte dos governos e das empresas. Isso significa que talvez a era de custos decrescentes esteja terminando.

O que também corrobora para a tese de um mundo mais inflacionário, é a necessidade de mudança de matriz energética para uma menos poluente. Além de um custo marginal para geração de energia maior em energias renováveis não poluentes, o que por si só já pressionaria a inflação, existe a necessidade de investimentos em ativos físicos para ampliar sua capacidade de produção, o que aumenta a demanda por commodities, aumentando seus preços.

E porque estes fatores, negativos para o mundo, podem beneficiar o Brasil, ao menos de maneira relativa? Começando pela redução da globalização, os detentores de capital têm motivos para ficar cada vez mais receosos de investir em países não democráticos, onde há menos segurança de que terão retorno sobre seus investimentos. Esse capital pode ser direcionado a investimentos em países emergentes vistos como mais amigáveis e com democracias mais consolidadas, como é o caso do Brasil. Em segundo lugar, a pressão no preço de commodities, especialmente as energéticas, também beneficia o Brasil, forte produtor e com uma matriz energética com alta participação de energias renováveis e de baixo custo.

Essa oportunidade se torna ainda maior na conjuntura local, onde nossa inflação aparenta já ter atingido seu pico e, caso não haja rupturas, foi finalizado todo o ciclo de alta de juros necessário para continuar a trajetória de desinflação, mesmo que ao custo de uma atividade econômica mais fraca em 2023. A maior ameaça ao aproveitamento dessa oportunidade está no equilíbrio fiscal. Um país que gasta mais do que arrecada, tem quatro possibilidades: se endividar, imprimir moeda para cobrir a diferença, gastar menos ou aumentar os impostos para arrecadar mais.

Nos níveis atuais de endividamento, a opção de se endividar mais gera uma bola de neve. Uma dívida que cresce rapidamente leva a questionamentos sobre a capacidade de pagamento do devedor, o que faz com que se exija juros mais altos para se fazer os empréstimos, potencializando a dívida. A impressão de moeda acarretaria inflação, pois, para uma mesma disponibilidade de bens e serviços, haveria mais dinheiro em circulação. A inflação mais alta forçaria os juros a serem mais altos, o que seria negativo para a economia. Em qualquer dessas opções haveria então um novo equilíbrio, com mais inflação, mais juros e menos produção. Tudo isso é negativo para a situação do país, para a atratividade de investimentos e para a população, principalmente a mais carente.

No novo arcabouço fiscal recentemente apresentado pelo governo, a opção de redução de gastos não está em pauta por não fazer parte das propostas e da visão do governo eleito.  Sendo assim, a geração de superávits necessários para a estabilidade da dívida terá que ser feita por aumentos da arrecadação. Como não acreditamos em um forte crescimento do PIB que seja suficiente para esse aumento, será necessário subir a carga tributária, senão por aumento de alíquotas ou novos impostos, pela revisão de benefícios fiscais. Devemos considerar que o aumento de tributação no país é difícil, não apenas pela nossa já alta carga tributária em comparação com a de outros emergentes ou países latino-americanos, mas pela sua complexidade e pelos interesses envolvidos.

O cenário global e local traz uma interessante oportunidade para o Brasil. Como optamos pelo caminho sem corte de despesas, se não houver aumento da arrecadação e o governo optar pela tese errada de que despesas aumentam a atividade e geram sua própria arrecadação e que, portanto, não é necessário ter equilíbrio fiscal, ou por uma ideia ainda mais desgarrada da realidade, de que o aumento de juros não combate à inflação, teremos então, mais uma oportunidade perdida.

 

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